“O Ver-o-Peso está desolado, não tem ninguém, tudo parado”, relatam feirantes

Com a queda do movimento, os riscos de exposição na feira ao novo coronavírus e sem o apoio da prefeitura e do estado, feirantes do Ver-o-Peso reclamam das dificuldades de garantir o sustento

Belém, 14 de abril de 2020 –  “[Aqui] Está todo mundo de acordo com a proposta do Ministério da Saúde, de se precaver, isolar e se afastar. Se a minha presença aqui interfere, prejudica, então vou ficar em casa. Agora, como é que eu vou ficar em casa sem nada para comer, sem dinheiro para pagar as contas, sem dinheiro para pegar um ônibus?”, questiona com a voz embargada o feirante Dalci Cardoso, que trabalha no Ver-o-Peso há mais de 30 anos. 

No setor de produtos industrializados, ele vende sandálias de couro, feitas com solados de pneus reaproveitados. E conta como a falta de movimento de clientes reduziu drasticamente a renda com a qual se sustenta.

“Olha, quem não está impedido vem, se quiser. No meu bloco ninguém está impedido. Mas as pessoas não vêm mais, porque veem as coisas sem sentido, sem controle, sem resultado satisfatório, sem nada. Aí não vêm mais. Eu venho para cá, se meus vizinhos abrirem, eu abro. Se não abrirem, eu não abro. Eu não vou ficar sozinho, essa é a questão, como eu vou ficar sozinho aqui”, questiona.

1456951269Feirante_vendedor_de_sandalias_2
Dalci Cardoso relata sobre a dramática situação dos feirantes nesses tempos de necessário distanciamento social. Imagem: Arquivo/@KleytonSilva/Outros400

Além da ausência de movimento na feira relatada por ele, há feirantes afastados do trabalho, com suspeita de estarem com a COVID-19. Embora a crise afete todos os trabalhadores do Ver-o-Peso, nem todos tiveram acesso ao programa de crédito emergencial criado pelo Governo do Pará, o Fundo Esperança. A Prefeitura, por sua vez, anunciou a isenção das taxas cobradas junto aos permissionários, mas não tomou outras medidas de apoio e proteção aos trabalhadores de feiras e mercados, nem aos informais e de baixa renda. 

“Aí eu venho, abro, vendo uma sandália, vou comprar comida. Eu não tenho nada, dependo só da banca”, desabafa Dalci.

Obras – Dalci também conta que as obras de reforma emergencial do Ver-o-Peso continuam, mas os trabalhadores da feira seguem sem informações sobre o cronograma e os setores envolvidos em cada etapa.  

O Ver-o-Peso está desolado, não tem ninguém, tudo parado. A obra da prefeitura está em ritmo bem lento, a gente não sabe o fim dessa história como é que vai ser. Não sei nem pra quem eles estão construindo esse galpão porque todo mundo que vai lá, olha e não se identifica”, relata, criticando também a Prefeitura de Belém, que continua a construir no estacionamento um galpão, com estrutura fechada, para supostamente realocar os feirantes durante a reforma.

Assim como a falta de suporte pela prefeitura durante o distanciamento social, uma das principais medidas mundialmente recomendados para o combate ao novo coronavírus, essa ausência de informações sobre a reforma continua a ser um dos principais pontos de reclamação entre os feirantes.

A gente não tem comunicação nenhuma com a prefeitura nem com o projeto nem com a Comissão de Acompanhamento de Obra (CAO), da qual eu faço parte. Eu ligo, ligo, ligo, ninguém vem aqui, ninguém fala nada. Aí a obra continua assim, alheia a nós. Eles estão trabalhando também, estão pintando o galpão, agora estão colocando ponto de água e ponto de luz. Mas a gente não sabe de nada, não tem informação de nada. A gente tá alheio a tudo”, reclama Dalci, que afirma que o descaso com os feirantes não é de hoje.

A prefeitura tem um verdadeiro descaso com o Ver-o-Peso. Um verdadeiro desrespeito, é muito ruim em relação a um lugar que o mundo todo preza. O turista brasileiro, o estrangeiro, todos vêm ao Ver-o-Peso. Por que esse prefeito não faz uma coisa certa, que é se entender com o feirante e fazer um Ver-o-Peso digno, bonito, bem feito, receptivo para o turista? Por que não faz uma coisa dessa?”, indaga.

“O Ver-o-Peso tá igual um cemitério”

Ah, minha filha, eu tou é triste, o Ver-o-Peso tá igual um cemitério. A gente não tá podendo trabalhar. Tem umas barracas que estão abertas, que vendem quentinha. Pra eu ir pra lá e ainda ter prejuízo, eu prefiro não ir porque não tem freguês para comprar comida. […] Então pra eu só abrir a barraca e fazer despesa, pagar gente e não ter dinheiro pra recuperar, eu prefiro é ficar em casa mesmo”, relata a feirante Osvaldina Ferreira, do setor de refeições, cujas atividades foram suspensas pela prefeitura, apenas com a permissão de venda de comida para a entrega. 

No entanto, segundo ela conta, nem todos os boxes do setor trabalham com a produção de marmitas, as “quentinhas”, para a entrega, nem possuem clientela para esse tipo de encomenda. 

Pra quem eu vou vender quentinha se eu não trabalho com quentinha? A minha comida é mais almoço: peixe no molho do camarão, pirarucu, pescada, dourada, camarão empanado ou ao alho e óleo. É isso que sai da minha barraca. Agora pra quem eu vou vender?”, questiona.

Osvaldina
A feirante Osvaldina Ferreira se preocupa com a rede de pessoas que dependem do trabalho na feira. Imagem: Arquivo/@KleytonSilva/Outros400

Cozinheira no Ver-o-Peso há 49 anos, Osvaldina ainda está se recuperando, depois de passar uma semana com febre. A última notícia que teve é a de que receberá o empréstimo pelo Fundo Esperança, mas, por conta do adoecimento, não teve condições de ir ao banco pessoalmente, para acessar de fato o dinheiro.  

Mas tirando isso, a gente não teve ajuda de ninguém, do prefeito principalmente, ajuda de ninguém”, reclama. 

Junto com ela trabalham mais quatro pessoas, que também dependem da feira para o sustento. Além deles, ela contribui com o custeio do serviço de vigilância,  já que os boxes possuem equipamentos, como geladeira e fogão, mas o serviço de policiamento local não é assegurado pela Prefeitura nem pelo Governo do Estado. 

Como é que a gente vai pagar eles, se a gente não tá trabalhando, mas eles que estão reparando as nossas coisas. Polícia não tem lá, não vai nem lá, então se não fossem aqueles seguranças nossas coisas já tinham sido tudo roubadas”, completa.

Apesar das tentativas, não conseguimos contato com a Prefeitura de Belém.

Deixe um comentário