Revitalizar por quê?

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Notamos há algum tempo que algo de (no mínimo) grave se anunciava para os bairros da Campina e da Cidade Velha.

Nas entrelinhas de eventos culturais, promovidos por redes empresariais em parceria com órgãos governamentais, e de anúncios espetaculares dos governos sobre novos projetos em rede nacional, um novo discurso de renovação urbana parecia anunciado – ainda de forma implícita – para o centro antigo, junto com as promessas de inserção de Belém num circuito internacional de negócios a partir da sua conversão em “Cidade Criativa da Gastronomia”, título concedido em dezembro pela Unesco, agência da Organização das Nações Unidas (ONU).

E, desde que a reforma do Ver-o-Peso foi anunciada pela prefeitura nas comemorações do aniversário de Belém, em 12 de janeiro, nós buscamos nos organizar para manter o olhar sobre a feira, a partir da escuta, da observação e do diálogo com os feirantes, principalmente.

Os relatos até o momento não favorecem em quase nada o novo projeto de “revitalização” idealizado pela prefeitura de Belém, cujas pressões sobre os feirantes e o Instituto Nacional do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) podem culminar na aprovação prematura de uma reforma que, em todo o seu processo de elaboração, foi muito pouco discutida com a sociedade e os públicos de trabalhadores diretamente envolvidos.

Outras questões preocupam seriamente os trabalhadores e a sociedade civil organizada, de modo geral.

A primeira delas diz respeito à ausência, no projeto de reforma conhecido até o momento, de dois dos espaços do Complexo do Ver-o-Peso que mais carecem de melhorias e condições adequadas para a comercialização de produtos e desempenho do trabalho a eles associados: a Feira do Açaí e a Pedra do Peixe.

Além de nos encontrarmos num ano eleitoral e diante de crises orçamentárias em todas as esferas de governo, ainda são poucas as garantias de que os recursos financeiros destacados pela Prefeitura e pelo Governo do Estado garantam a realização da obra até o final.

No único momento de apresentação pública do projeto pela prefeitura também foi notória a ausência de estudos sociológicos e antropológicos que fundamentem as mudanças propostas, reduzindo ao máximo a possibilidade de que erros técnicos provoquem desarranjos sobre as formas de organização do trabalho e das atividades específicas aos setores do mercado.

Os altos montantes financeiros destinados ao projetos também foram apresentados apenas de forma genérica, enquanto as planilhas de custos referentes às obras não, o que dificulta o controle social sobre os recursos governamentais.

Até o momento, nenhum cronograma de atividades para a reforma foi negociado com os diferentes setores da feira, garantindo que o deslocamento dos trabalhadores não seja feito de uma só vez, o que poderia prejudicar seriamente o movimento e as atividades futuras no local.

Por último, acreditamos que cabe questionar sobre o processo de “revitalização em si”, pois qual o sentido de “dar nova vida”, ou de fazer isso sem a menor consideração aos trabalhadores e públicos, a um local que se mostra não apenas bem vivo, como plural em formas de comércio, de trabalho, de histórias, de produtos, de relações interpessoais e de referências culturais?

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revitalizar o quê, afinal, cara pálida?

E mais: qual o sentido de “revivificar” um lugar sem priorizar a vida existente, que mobiliza trabalho e renda, racionalidades diversas, circuitos formais e informais de distribuição de produtos, de prestação de serviços, de modos de convivência e trocas para além das transações estritamente econômicas?

São muitos os interesses políticos, econômicos envolvidos na disputa de um espaço que é muito mais que um cartão postal e existe muito além do usufruto turístico ou de consumo para uma classe média acostumada a frequentar locais – bares, restaurantes, cafés – com padrões pouco distintos de oferta de serviços e produtos, ainda que sob um discurso de valorização dos costumes e caracteres locais.

Por isso, decidimos criar esse blog para contar também o Ver-o-Peso e Belém sob outras perspectivas.

Quem quiser venha ver e  contribuir com essa tentativa de diálogo, antes que a feira seja transformada num novo shopping center e diversos modos de vida sejam negados ou estetizados para reforçar os projetos de poder das (quase) mesmas elites políticas de sempre.