Debate aberto

Enquanto a prefeitura realizava um referendo fechado ao debate no decorrer do dia, com respostas restritas entre “sim” e “não”, além de um número limitado de trabalhadores da feira e da sociedade, representantes de vários setores do Complexo do Ver-o-Peso manifestaram críticas, anseios e recomendações em relação ao projeto de reforma durante toda a tarde na Alepa

Foi uma reunião produtiva, cheia de detalhes, de preocupações. Uma coisa que há muito tempo eu não via: tanta gente envolvida numa ideia. O Ver-o-Peso pra essa gente toda é uma preocupação hoje, por isso tem que ser cuidadosamente discutido, cuidadosamente tratado”, desabafou o feirante Dalci Cardoso da Silva, do setor de alimentação, ao final da sessão pública realizada na Assembleia Legislativa do Pará (Alepa) na tarde da última terça-feira, 16.

Agendado no começo do mês, após um ato público de representantes dos diversos setores da feira em frente à casa legislativa, o momento de debate público teve o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor, deputado Carlos Bordalo (PT-PA), como mediador. Um parecer sobre a proposta de reforma da prefeitura para uma parte do Ver-o-Peso deve ser divulgado ao público até o final da semana, como resultado do encontro.

A promessa é que o documento inclua as opiniões de feirantes, trabalhadores do Ver-o-Peso e representantes de organizações civis presentes no evento.

A seguir, a síntese de algumas questões abordadas.

Transparência – Foi consenso entre os participantes da reunião que a reforma no Complexo é ansiada por todos, mas o projeto apresentado pela prefeitura, além de pouco discutido, é excludente.

Segundo os depoimentos de vários feirantes, apenas duas reuniões gerais teriam sido realizadas em 2015, com longos intervalos entre ambas – a primeira em maio e a segunda em novembro. Apenas após a divulgação do projeto pela prefeitura no aniversário de Belém, os encontros foram retomados por setores, com algumas respostas da empresa DPJ Arquitetura e Engenharia às primeiras críticas realizadas por eles.

Essa reforma não é algo a ser feito a toque de caixa, repentinamente, só porque vai entrar um processo eleitoral e o prefeito tem que mostrar alguma coisa à cidade”, avalia Dalci Silva, que vende calçados artesanais feitos em couro e solados de borracha ou pneus.

Ele conta que, após as primeiras reuniões sobre o projeto no ano passado, chegou a procurar as Secretarias Municipais de Economia (Secon) e de Urbanismo (Seurb) para entender melhor o que estava sendo apresentado, mas ninguém respondeu aos seus questionamentos. “O arquiteto mostrou de um jeito e eu não consegui entender”, reclamou.

Mais recentemente, chegou a solicitar a planta do setor de industrializados à empresa contratada pela Seurb, novamente sem sucesso.

Quando vieram mostrar o projeto por setores, foi aí que eu me posicionei: ‘tu podes me dar uma planta desse projeto, pelo menos a nossa parte pra eu olhar detalhadamente em casa, pra interpretar esses desenhos aí, porque assim não dá pra entender’. Eu queria estudar melhor, analisar com cuidado pra poder dialogar com o pessoal de todo o setor e só então responder à empresa se a proposta atende ou não, e o que a gente precisa”, justificou.

Entre os pontos que mais lhe preocupam estão a retirada do acesso do box à rua e, com a construção em alvenaria prevista, a transformação da condição de feira em loja.Sob a nova forma, a área atual de quatro metros quadrados poderia não comportar as mercadorias, o (pouco) mobiliário e ainda garantir bem a presença e o trânsito dos clientes.

Adiamento – Nós tivemos sim algumas (poucas) reuniões com a prefeitura, mas nós não concordamos com nada do que foi apresentado. Apresentaram os equipamentos sim, mas nós não concordamos de novo. Agora a gente é surpreendido com essa proposta que a gente rejeitou, que exclui um bocado de trabalhadores, como os erveiros da agricultura familiar, e não consegue entender essa pressa”, contestou o presidente da associação dos trabalhadores do Ver-o-Peso, Manoel Rendeiro, o seu Didi.

Ele defendeu que os recursos para a reforma sejam garantidos, mas que, em função das limitações e a proximidade do período eleitoral, as obras só iniciem no ano que vem, após discussões intensas com os trabalhadores e a sociedade de modo geral no decorrer deste.

Garantia de recursos – Ao ser questionada se o Governo do Estado garantiria os recursos prometidos para a reforma, sem chances de transferência da rubrica para outras, a secretária adjunta da Obras do Pará, Celeste Teixeira, esclareceu que, por enquanto, há apenas um termo de compromisso assinado junto à prefeitura, manifestando o interesse do governador e a intenção da parceria.

O empenho efetivo dos 25 milhões dependerá da realização de um convênio entre os entes municipal e estadual, a ser firmado após a devida aprovação do projeto pelos órgãos responsáveis, como o Instituto Nacional do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

Prazo inviável – O prazo de análise do projeto de reforma pelo Iphan é de 40 a 60 dias. São quatro etapas a serem cumpridas pela prefeitura, sendo que nem todas estão de fato elaboradas, a exemplo da primeira – que continua incompleta, sem o memorial justificativo, não apresentado oficialmente para a avaliação.

Da nossa parte o que eu posso dizer é que neste momento nós temos preocupações mais relevantes do que os prazos da prefeitura, como assegurar, na medida do possível, espaços de participação e deliberação que não nos deixem perder a noção de coletivo dos espaços. Quanto mais o projeto for apropriado pelos feirantes e pela sociedade, mais chance ele tem de dar certo”, assegurou a superintendente do Iphan no Pará, Maria Dorotéa de Lima.

Ela também esclareceu dúvidas quanto a questões técnicas relacionadas ao projeto, como a possibilidade de rebaixamento da plataforma junto à orla sem aumentar os riscos de inundação com a variação da maré. E apontou  dois pontos possíveis para a recomendação de mudanças pelo Iphan. 

O primeiro diz respeito à introdução de vidro e ar condicionado em alguns setores (processamento de açaí, maniva e polpa de frutas), supostamente por exigências sanitárias. O compartilhamento dos espaços exigirá regras para o rateio das despesas comuns, que devem ser pactuadas entre os permissionários, como as relacionadas ao consumo de energia elétrica.

O outro se refere à cobertura em telha metálica. “Do ponto de vista dos problemas apontados pelos feirantes, como calor excessivo, é eficiente. Mas do ponto de vista da forma, que concorre com os demais elementos da área, gera impactos sobre o patrimônio. Esse é um dos pontos que certamente nós pediremos para ser revisto”, explicou.

Concurso Público e projeto integrado – Representando o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), Sávio Fernandes criticou a contratação de uma empresa para elaborar o projeto por meio de tomada de preço, considerando que a última reforma, em 1998, só foi planejada após a abertura de um concurso público aberto a todo o Brasil.

O diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará, Fabiano Homobono, confirmou a insatisfação com a forma de planejamento, dizendo-se surpreendido pelo anúncio do projeto pela prefeitura durante as comemorações do aniversário da cidade.

Como foi dito aqui, o Ver-o-Peso é um espaço que necessita de ampla discussão, se for o caso com mais um concurso aberto”, ressaltou Fernandes, lembrando que o estado de depreciação atual da feira resulta também da ausência de programas de manutenção pela prefeitura no decorrer de diferentes gestões.

Segundo ele, somente discussões mais amplas poderiam resultar na decisão de incorporar ao projeto formas de adaptação da estrutura atual ou mesmo a formulação de uma proposta mais perene, que não precise ser substituída a cada demanda por melhorias.

Por último, defendeu que é necessário integrar, de maneira coesa e completa, todos os espaços compreendidos pelo Complexo do Ver-o-Peso num projeto de reforma só. O plano atual da prefeitura prevê apenas a feira, excluindo a Pedra do Peixe, a Feira do Açaí e o Solar da Beira, que ficariam sob a responsabilidade de uma segunda empresa, segundo informações repassadas pelo prefeito na reunião pública da Estação das Docas.

Corremos assim o risco de ter três, quatro propostas diferentes que podem não dialogar”, completou.

Serviços públicos – Outros participantes lembraram também da necessidade de incorporar serviços públicos ao Complexo.

O ex-vereador Marquinho Silva falou da necessidade de uma creche na área para o atendimento das trabalhadoras e famílias do Complexo e seu entorno.

O representante do Sindicato Estadual de Pescadores, apresentado como Fagundes, lembrou da falta de bancos com atendimento noturno para o setor, já que a Pedra do Peixe movimenta toneladas de mercadorias e grande volume de recursos em horários não-comerciais.

Os trabalhadores do setor também reivindicam infraestrutura para a segurança no embarque e desembarque, para a conservação do pescado em câmaras frigoríficas e de infraestrutura como água encanada e banheiros na área.

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