Audiência na CMB: prefeitura ausente

A ausência de representantes dos governos municipal e estadual foi notória durante a audiência pública na Câmara Municipal de Belém. Vereadores da bancada governista conheceram o projeto dois dias antes, num almoço oferecido pela prefeitura no palácio Antônio Lemos. A bancada de oposição reclamou do esvaziamento e da indisposição governista à discussão pública acerca de um projeto que mobiliza, direta ou indiretamente, interesses de toda a cidade

A ausência de representantes de governo e de vereadores da bancada governista chamou a atenção de quem compareceu à audiência pública sobre a reforma do Ver-o-Peso, realizada na Câmara Municipal de Belém no último dia 03 de março, quinta-feira.

Junto com os vereadores da bancada de oposição ao governo municipal estiveram presentes no encontro trabalhadores de diferentes setores da feira do Ver-o-Peso, do Ministério Público Federal, do Instituto de Patrimônio Histórico e Arquitetônico Nacional, do Instituto de Arquitetos do Brasil e da comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa.

O momento de debate foi proposto pela bancada de oposição, depois que os vereadores da base governista rejeitaram por 18 contra 06 votos o requerimento de sessão especial sobre o projeto de reforma, anunciada pela prefeitura no dia 12 de janeiro.

Depois da recusa ao debate aberto e público na casa legislativa, os vereadores que apoiam o governo municipal teriam conhecido o projeto de reforma, num almoço oferecido pela prefeitura no Palácio Antônio Lemos dois dias antes da audiência.

Oposição fez duras críticas

Nós não estamos aqui para fazer o confronto à prefeitura de Belém, porque nós fazemos isso cotidianamente – demonstrando através de provas, levando ao Ministério Público, debatendo com a sociedade – o quanto essa prefeitura tem sido irresponsável com o trato da coisa pública, o quanto ela trata as questões de interesse público como se fossem parte apenas do executivo ou de alguma secretaria que cuida de tal área”, declarou a vereadora Marinor Brito (PSOL-PA) no início da audiência.

Ela também afirmou que o sentimento geral é de incômodo e indignação com a falta de transparência na elaboração do projeto, que foi divulgado à sociedade quase que exclusivamente por meio da imprensa local, sem amplas discussões prévias e “com uma apresentação grosseira de uma maquete que dava conta apenas de uma parte daquele complexo”.

Eles (os vereadores da base governista, que rejeitaram a sessão especial) acham que não precisam ter acesso às informações referentes à questão técnica, ao patrimônio público, às fontes do orçamento, às etapas de desenvolvimento do projeto. E nós temos preocupação com isso sim”, garantiu.

O vereador Fernando Carneiro (PSOL-PA) questionou em seguida o caráter de improvisação com que o projeto tem sido apresentado pela prefeitura. “Qual a leitura política que a gente faz disso?”, questionou na tribuna.

Vocês prestem atenção que é nessa casa aqui que se vota a lei orçamentária anual – LOA. Nós votamos a LOA para 2016 no final de 2015 e não tinha nenhum projeto do Ver-o-Peso. Nós não votamos, nós não inserimos na lei orçamentária do município a obra do Ver-o-Peso. Se já estava pronto o projeto, se estavam debatendo, por que não veio se mostrar na votação da lei orçamentária anual? Essa obra não está no orçamento de 2016. Será que isso não é um indicativo de que essa obra não havia sido pensada anteriormente?”, ponderou, lembrando em seguida que a enquete realizada após a semana de Carnaval também indica a ausência de consultas públicas suficientes antes do lançamento da iniciativa.

Além da ausência de debates públicos, Cleber Rabelo (PSTU-PA) criticou o anúncio da reforma em ano eleitoral e a paralisação das obras em outros pontos da cidade. “A forma como o prefeito está tocando nos leva a crer que é uma obra eleitoreira. Porque qual foi a grande obra que o prefeito Zenaldo fez em Belém”, indagou, lembrando dos problemas na execução do projeto do BRT.

O BRT é uma sequência do mandato anterior e não vai ser entregue até o final do seu mandato. Nós sabemos que essa é uma obra que parou várias. O prefeito veio aqui e, depois de ler a mensagem dizendo que começaria as obras num determinado período, não cumpriu com o que falou nesta tribuna. Mesmo depois de iniciar os trabalhos, nós sabemos também que há várias obras de asfaltamento de ruas que estão todas paralisadas, em vários bairros”, denunciou.

Organizações civis devem formar comissão independente

“Quando a gente fala em Ver-o-Peso, não pode ter em mente apenas a feira, mas o chamado conjunto arquitetônico que se compõe da feira, da Pedra do Peixe, da Feira do Açaí e todos os casarios do entorno, que têm um tombamento coletivo. Quando se interfere em um dos elementos, se tem que analisar essa intervenção de tal maneira que não se possa ferir o conjunto como um todo”, explicou o procurador federal José Augusto Potiguar, alertando para a importância da participação social diante da “magnitude do projeto” para a cidade.

E aí a gente começou a ver reações dos segmentos da sociedade. Era o IAB falando de um lado, os feirantes de outro e várias organizações sociais se manifestando, o que evidenciou que faltou dialogar com a sociedade“, contextualizou em seguida.

Ele informou sobre as medidas tomadas para garantir maior transparência à proposta e ao trabalho do Iphan, como a abertura de consulta pública pelo email iphan-pa@iphan.gov.br até o dia 31 de março, a partir da divulgação dos documentos básicos no website do instituto, e a realização de uma audiência pública realizada por ambas as organizações federais na primeira quinzena de abril.

Outra novidade anunciada pelo procurador foi o atendimento da demanda de criação de uma comissão técnica independente para a análise do projeto, feita pelas associações de patrimônio e de feirantes junto ao Iphan. Esse grupo, que deve ser nomeado de forma autônoma pelos próprios representantes da sociedade civil, estudará paralelamente o projeto com o objetivo de cooperar com o parecer técnico final do instituto.

Feirantes continuam preocupados

A feirante Osvaldina Ferreira, do setor de refeições, falou da preocupação com os pontos não esclarecidos até hoje pela prefeitura, como o cronograma das obras, os locais provisórios e os prazos para o remanejamento dos trabalhadores durante a reforma.

A feira é uma comunidade, não é um lugar de gente rica. Quer dizer, vem gente que tem dinheiro, principalmente quem é de fora, mas é o lugar em que o pobre também come e está”, ressaltou, lembrando que na seção de alimentos abaixo da plataforma há refeições na média de R$ 6 enquanto na parte de cima os preços aumentam para R$35-40, o que permite que o espaço como um todo seja frequentado por diferentes públicos.

Ela também demonstrou receio pelos companheiros da Feira do Açaí e da Pedra do Peixe, cujos projetos de reforma já foram apresentados ao Iphan, mas de forma separada ao da feira.

“Não deixaram um lugar nesse projeto pro ribeirinho trazer a mercadoria dele pra vender”, lamentou. “Nós e eles somos uma família: eles trazem o que a gente encomenda lá das ilhas, eles levam peixe frito feito por nós ou tomam um refrigerante nas nossas barracas. Uma mão lava a outra”, enfatizou, apontando como as atividades na feira são conectadas e não podem dispensar um planejamento integrado.

Post atualizado às 15h28 do dia 07.03.2016

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